O setlist da reunião do Oasis é uma aula de storytelling
Eu avisei que eu estaria monotemática...
Na última sexta-feira, 4 de julho de 2025, o Oasis encerrou uma espera de 16 anos e finalmente os irmãos Gallagher voltaram a subir ao palco juntos, como uma banda. Sou fã de longa data dos cabeludos de Manchester, mas essa reunião me interessa também pelo fenômeno cultural que representa. Desde o aguardado anúncio em julho do ano passado, a turnê mundial (de fato, e não só restrita ao hemisfério norte como certos artistas) vem movimentando gente no mundo inteiro, deixando as redes sociais em polvorosa, provocando filas quilométricas e produtos esgotados nas pop-up stores montadas pelas cidades por onde Liam, Noel, Bonehead, Gem Archer, Andy Bell e Joey Waronker vão passar.
Mas o que mais me chamou atenção nos dois primeiros shows da turnê, realizados em Cardiff, no País de Gales, no último fim de semana, foi o setlist – uma verdadeira aula de storytelling.
Muito se falou da escolha das canções, que privilegia os dois primeiros álbuns, como se só eles importassem – os gigantes Definitely Maybe, de 1994, e What's The Story (Morning Glory), de 1995 – além de um punhado de b-sides famosos o suficiente para estádios inteiros cantarem em uníssono. Mas tão especial quanto a seleção das 24 músicas que compõem o set, idêntico nos dois dias, é a ordem em que elas aparecem, montada para contar a história de quando o Oasis foi a maior banda do mundo – justamente na época desses discos – e tudo o que aconteceu desde então.
De mãos dadas – e com Liam segurando maracas, que foram apropriadas quase um instrumento típico do norte da Inglaterra – os irmãos celebraram o recomeço cantando a nostálgica Hello, do refrão “hello, hello, it's good to be back”, deixando claro o prazer de estarem de volta aos palcos como uma banda.
E então, como se seguissem uma narrativa cuidadosamente roteirizada, veio Acquiesce, um desses b-sides tão populares quanto os singles que alçaram o Oasis ao posto de maior banda de rock dos anos 1990. Aqui, os irmãos que ficaram brigados por quase 15 anos após uma turnê caótica de um álbum apenas mediano, admitiram sem vergonha que precisam um do outro, que acreditam um no outro, e que havia chegado o momento de descortinar o que andava adormecido dentro deles.
Praticamente sem pausa, a banda emendou com Morning Glory e seus versos:
Today's the day that all the world will see
Another sunny afternoon
Walking to the sound of my favorite tune
Tomorrow never knows what it doesn't know too soon
Levando em consideração que acompanhei o show primeiramente por uma live no YouTube que juntou mais de 60 mil pessoas simultaneamente, e depois por uma live no TikTok que recebeu 11 milhões de likes enquanto a história era escrita no palco, realmente o mundo todo estava vendo o que eles estavam fazendo ali.
Some Might Say, a quinta música (considerando que o show abriu com a instrumental Fuckin’ in the Bushes), é um hino otimista sobre esperança e perseverança diante das dificuldades, encorajando o interlocutor a acreditar que as coisas podem melhorar. Foi seguida por Bring it on Down, uma música sobre frustração e vontade de mudança, com um tom mais sombrio e crítico. Quer dobradinha temática mais perfeita?
Show de rock, jogo de futebol ou um culto?
Como consequência dessa situação aí, Cigarettes & Alcohol ironiza o escapismo por meio de vícios, retratando o estilo de vida rebelde e autodestrutivo dos jovens que Liam e Noel um dia foram – e nós, fãs da velha guarda, já fomos também.
Então vem a existencialista Fade Away, mais uma b-side cantada a plenos pulmões, que reflete sobre a passagem do tempo e o medo de desaparecer ou ser esquecido – como aconteceu com muitos artistas e bandas nesse hiato de 16 anos entre o último show do Oasis, em 2009, e o retorno triunfal aos palcos.
No desenrolar da apresentação, Supersonic, um clássico, transborda a autoconfiança e autoafirmação dos marrentos Gallagher, enquanto Roll With It incentiva a persistência, e Talk Tonight lembra a importância de ser vulnerável e de se comunicar. Imagine que dois irmãos que fizeram tanta coisa juntos – inclusive ganhar o mundo – ficaram 15 anos sem se falar.
E ali, no palco, a história do Oasis segue sendo contada por meio de canções. Se Half the World Away é puro escapismo e busca por um recomeço, Little by Little fala sobre superar problemas aos poucos, com todo aprendizado que este tipo de experiência traz. É esse o tipo de aprendizado que leva alguém a admitir que errou – “I met my maker and I made him cry” – ao mesmo tempo em que se comemora que ficou tudo bem, ao som dos versos “All my people right here right now / D’you know what I mean?".
Stand By Me é praticamente um pedido de ajuda, enquanto Cast No Shadow fala de perda e ausência. Em Slide Away, a busca por conexões profundas se junta à exaltação à imortalidade de Live Forever, celebrando um legado duradouro que se comprova ali, com os irmãos Gallagher de frente para um estádio lotado, como os Rock'n Roll Stars que são.
A reta final do show traz a grandiosa The Masterplan, uma reflexão sobre as escolhas que fazemos ao longo da vida e que sugere que há um plano maior mesmo quando tudo parece fora do lugar. Em seguida vêm os megahits Don’t Look Back in Anger – uma ode ao perdão, que demorou anos para ser entendida pelos próprios autores – e Wonderwall, canção sobre amor idealizado e a esperança de que alguém especial possa salvar ou transformar a vida, mesmo que este alguém seja uma banda de rock ou seu próprio irmão.
Quando chega o grand finale, que poderia encerrar o comeback em alta, cheio de esperança e apontando para um futuro conjunto (com Stay Young, talvez?), eles escolhem a melancólica Champagne Supernova. O desfecho de mais de duas horas de muita música e poucas – e certeiras – palavras faladas faz uma contemplação sobre a passagem do tempo e a efemeridade da vida. Como se quisessem reafirmar que é isso aí: a reunião do Oasis são esses shows marcados até novembro, e o futuro a Deus pertence.
No fim, Champagne Supernova soa como um lembrete de que tudo passa – inclusive a glória, inclusive a juventude –, mas também de que algumas histórias, como a do Oasis, são eternas justamente por sua efemeridade. Resta a nós, fãs, assistir a este espetáculo que é tão cultural quanto pessoal, e esperar, com paciência britânica, pelos próximos capítulos que os Gallagher nos reservam.
P.S.: Na segunda-feira embarco para uma eurotrip que tem como objetivo principal assistir ao último show do Oasis em sua terra natal, Manchester, na Inglaterra. Se quiser acompanhar a aventura, me segue no Instagram, no Twitter, no Bluesky e/ou no Threads.
Adorei! Estou esperando ansiosamente pelo show de São Paulo.
Precisava ler tudo isso e nem sabia! Obrigada, flor 🧡